Mensagem do Sr. D. António Couto, Bispo de Lamego, para a Quaresma
«1. Na sua mensagem para esta
Quaresma, vivida em pleno Ano da Fé, o Papa Bento XVI convida-nos a
entrelaçar a fé e o amor. Assim: é de Deus a iniciativa de vir
amorosamente ao nosso encontro (Dei Verbum, n.os 2 e
21), e é dele o primeiro movimento de amor em relação a nós (1 João 4,10
e 19), quando em nós nada havia de amável (Romanos 5,8). Portanto, diz
bem o Apóstolo: «o amor vem de Deus» (1 João 4,7a).
2. A este Deus que toma a
iniciativa de vir ao nosso encontro por amor, e a nós se entrega por
amor, só nos compete responder pela fé, que é a nossa entrega pessoal a
Deus, implicando todas as nossas energias, faculdades e capacidades,
também o nosso amor (Dei Verbum, n.º 5), que o amor primeiro de
Deus em nós faz nascer. É outra vez verdade o que diz o Apóstolo: «Quem
ama, nasceu de Deus» (João 4,7b). E é assim também que a nossa fé é
verificada pelo amor.
3. Mas como Deus não veio apenas ao
meu encontro para só a mim se entregar por amor e só em mim fazer
nascer o amor, mas veio ao encontro de todos e a todos se entregou por
amor, então a minha fé é verificada pelo meu amor a Deus e a todos os
meus irmãos amados por Deus. Diz bem outra vez o Apóstolo: «Quem não ama
o seu irmão, que bem vê, não pode amar a Deus, que não vê» (João 4,20).
4. E o Apóstolo insiste em pôr
diante dos nossos olhos esta chave de verificação: «Nós sabemos que
passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama,
permanece na morte» (1 João 3,14). A verdadeira morte não é então o
termo da vida, mas aquilo que, desde o princípio, impede de nascer: o
não acolhimento do Deus que vem por amor, para, por amor, fazer nascer
em nós o amor e novas e impensáveis pautas de fraternidade.
5. Sim, então o amor ou a caridade
não cabe, longe disso, naquilo que habitualmente designamos por
solidariedade ou ajuda humanitária. O amor ou a caridade desborda sempre
dessas realidades, e impele-nos ao anúncio do Evangelho, que é mostrar
Deus que vem por amor ao nosso encontro, para nos servir o amor e fazer
nascer em nós, como resposta, o serviço humilde, próximo e dedicado do
amor.
6. Por isso, o tempo da Quaresma é um tempo diferente. Não é o tempo segmentado de chrónos, em que se sucedem os dias e as horas, mas um tempo novo e insuspeitado, que a Bíblia chama kairós,
que se mede, não pela quantidade, mas pela qualidade, não pelo que
passa, mas pela plenitude: trata-se da enchente da Palavra de Deus que,
inundando a nossa vida, reclama a nossa resposta amante e transforma a
nossa vida.
7. Um visitante estrangeiro foi
visitar o famoso rabino polaco Hofez Chaim, e ficou espantado quando viu
que a casa do rabino era apenas um simples quarto cheio de livros, e os
únicos móveis eram uma mesa e um pequeno banco. «Mestre, onde estão os
teus móveis?», perguntou o visitante. «E os teus onde estão?», retorquiu
o rabino. «Os meus? Mas eu sou um visitante; estou aqui apenas de
passagem», respondeu o visitante. «Também eu», retorquiu o rabino.
8. Sim, convenhamos que acabámos de
assistir a uma eloquente lição de «renúncia» aos bens terrenos. Mas
facilmente nos apercebemos que o termo «renúncia», hoje, nesta cultura
de «Laodiceia» em que vivemos, e que obedece ao refrão «sou rico,
enriqueci, e não preciso de nada» (Apocalipse 3,17), está claramente
fora de moda e resulta incompreensível. «Deixar é perder», repetem
tranquilamente os maus mestres.
9. Mas o Mestre mesmo, que é Jesus,
ensina-nos a «renunciar» às coisas e até a nós mesmos, às nossas
gorduras materiais e espirituais. «Renunciar» é «dizer não». Aos pesos
que atrapalham a suavidade e a leveza que nos configuram ao Mestre
(Mateus 11,28-30). A Quaresma é este tempo novo, não nosso, de fazer um
verdadeiro jejum na nossa vida. Jejuar não é deixar de comer hoje, para
comer amanhã. De nada nos valeria. Jejuar é olhar para a nossa vida,
para a nossa casa e para a nossa mesa, até perceber que tudo é dom de
Deus, não apenas para mim, mas para todos os seus filhos e meus irmãos,
e, agir em consequência, partilhando com todos a minha vida, a minha
casa, a minha mesa.
10. Apelo, portanto, a todos os
irmãos e irmãs que Deus me deu nesta querida Diocese de Lamego a que,
nesta Quaresma, deixemos a enxurrada da Palavra de Deus tomar conta da
nossa vida. No meio da enxurrada, perceberemos logo que não salvaremos
muitas coisas, e que aquilo que mais queremos encontrar é uma mão segura
que nos ajude a salvar a nossa vida.
11. Aí está o tempo santo da
Quaresma. Já estamos a sentir a mão de Deus (Isaías 41,13; 42,6; 45,1;
Jeremias 31,32). Demos também a nossa mão aos nossos irmãos mais
necessitados. Por isso e para isso, proponho que façamos um verdadeiro
caminho de «renúncia» quaresmal. Como já fizemos o ano passado,
convido-vos a olhar por e para os nossos irmãos de perto e de longe.
Vamos destinar uma parte da nossa «renúncia» quaresmal para o fundo
solidário diocesano, para aliviar as dores dos nossos irmãos de perto
que precisem da nossa ajuda. Olhando para os nossos irmãos de longe,
vamos destinar outra parte do contributo da nossa caridade para as
missões dos Padres Vicentinos espalhadas pelas zonas de Chókwe e
Caniçado, no Vale do Rio Limpopo, Moçambique, grandemente devastadas
pelas cheias, que ali provocaram dezenas de mortos e mais de 100 mil
desalojados, e que deixam as populações pobres à mercê da fome e de
doenças várias, como a cólera e a malária. A finalidade da nossa
Renúncia Quaresmal será anunciada em todas as Igrejas da nossa Diocese
no Domingo I da Quaresma, realizando-se a Colecta no Domingo de Ramos na
Paixão do Senhor.
12. Com a ternura de Jesus Cristo,
saúdo todas as crianças, jovens, adultos e idosos, catequistas,
acólitos, leitores, escuteiros, cantores, ministros da comunhão, membros
de todas as associações e movimentos, departamentos e serviços, todos
os nossos seminaristas, todos os consagrados, todos os diáconos e
sacerdotes que habitam e servem a nossa Diocese de Lamego ou estão ao
serviço de outras Igrejas. Saúdo com particular afecto todos os doentes,
carenciados e desempregados, e as famílias que atravessam dificuldades.
Uma saudação especial aos nossos emigrantes.
Na certeza da minha oração e comunhão convosco, a todos vos abraça o vosso bispo António.
Lamego, 11, de Fevereiro de 2013»
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